Epidemia de microcefalia: o efeito do descaso no setor público

Ana Paula apresenta os exames de tomografia do filho D.M, de 1 mês e 14 dias, que tem   sinais de microcefalia (Foto:  CARLOS EZEQUIEL VANNONI/ESTADÃO CONTEÚDO)
Mãe com o filho com sinais de microcefalia, em hospital de Pernambuco. A epidemia pode virar tragédia
O número de casos de microcefalia se multiplica numa escalada sem precedentes no Brasil. Já são mais de 1 mil casos informados ao Ministério da Saúde – 5 vezes mais que no ano passado, com 147 registros. O surto se alastrou por 160 cidades de nove Estados. Até então uma doença rara, a microcefalia é uma malformação que reduz o perímetro da cabeça dos recém-nascidos para menos de 34 centímetros, a média considerada normal. Em cerca de 90% dos casos, essa condição provoca algum tipo de doença mental. É o maior drama da saúde pública brasileira nos últimos anos.

Numa situação inédita no mundo, a doença está sendo associada ao vírus zika, novo no Brasil. Para agravar o problema, os dados mais confiáveis mostram que o zika está sendo transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. O Aedes é o resiliente inseto transmissor da dengue, que prolifera nas regiões mais quentes do país e há anos faz troça da incapacidade do governo – em todas as instâncias – de erradicar essa doença simples, mas que pode ser letal. Além da dengue, o mosquito já se tornara também o agente dispersor de outro vírus, causador da febre chikungunya.

A resistência da dengue se deve, em boa medida, à ineficiência do poder público. São dois os principais entraves. O primeiro é a existência, no Brasil, de políticas públicas pulverizadas e incertas. Por lei, é responsabilidade dos municípios organizar a prevenção, com campanhas educativas, equipes de combate de criadouros e aplicação de inseticidas.

Ao governo federal, cabem as diretrizes e o envio da verba. Aos estaduais, oferecer auxílio. Na prática, as prefeituras economizam com a prevenção nos períodos de trégua dos surtos. Em casos mais graves, orientam-se pelo calendário eleitoral e pela tentativa de evitar pânico na população. O segundo entrave diz respeito à morosidade nas inovações científicas, em especial por falta de investimentos.

Por causa do efeito devastador que pode ter o zika, o poder público vai ter de passar a ter um sentido de urgência que não tem mostrado até agora no combate ao Aedes aegypti. Estima-se que, até o fim do ano, o país poderá ter cerca de 2 mil casos de microcefalia. Chegar a essa situação trágica pela simples picada de um mosquito deveria ser inconcebível em um país urbanizado, no século XXI. Assim como beira o nonsense o governo federal, perplexo diante da situação, recomendar à população que o melhor a fazer, no momento, é evitar a gravidez. “Sexo é para amador, gravidez é para profissional”, disse o ministro da Saúde, Marcelo Castro.  Para vencer a tríplice epidemia de dengue, chikungunya e microcefalia, o Brasil vai ter de vencer também a epidemia de ineficiência no setor público.


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