Sobre "afogar nordestinos"

Alguns tolos chegaram a especular que William Shakespeare, nascido na pequena cidade de Stratford, distante 150 km de Londres, não escreveu as peças que levam seu nome. Segundo eles, alguém oriundo de uma cidade do interior que não cursou uma universidade e que não pertencia à nobreza, não teria a capacidade de escrever aquelas peças imortais. Puro esnobismo!

Cito o exemplo para discutir uma “tuitada” de uma estudante de Direito, do interior de São Paulo, que, insatisfeita com o resultado da eleição presidencial pediu que “fizessem um favor: afogassem os nordestinos”. Segundo ela, os culpados da derrota de Serra. O assunto tem rendido, e como sou cearense e amo Fortaleza...

A moça perdeu o emprego, abandonou a faculdade, e a OAB de Pernambuco pediu o MP para processá-la por crime de racismo. Autoridades e jornalistas declararam que “não podemos aceitar qualquer tipo de discriminação que incite o ódio racial; que a declaração é preconceituosa; e o Código Penal deve ser aplicado”.

Um político já propôs a criação do Dia do Nordestino. Bando de abestados! Diria o Tiririca.

Desde quando nascer num determinado grupo de estados do país é pertencer a uma raça? “Nordestino” é raça? O que é uma raça? Mais! Será que, pelo menos, 5% dos brasileiros sabem a origem do conceito de Nordeste. Será que sabem que parte de Minas Gerais faz parte do “Nordeste”; que no Maranhão, onde sobra água, nunca pertenceu ao “Nordeste”; que a Bahia se recusa a pertencer ao Nordeste, porque historicamente não pertence mesmo. Os brasileiros não sabem o que é o “Nordeste” porque essa unidade não existe. Foi Celso Furtado com o seu Polígono das Secas quem ampliou essa ideia.

As palavras dessa moça chegaram com atraso. Ela disse apenas o que um bom número de brasileiros pensa das pessoas oriundas do “Nordeste”. Quando Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, morreu, um jornalão de São Paulo noticiou: “Morreu Luiz Gonzaga, que se intitulava o rei do Baião”. Sei quantas vezes fui chamado por “brincadeira” de comedor de calangos. Esse tipo de gracinha só termina quando você se impõe na mesa. Recuso-me a pertencer a “raça nordestina”, porque ela não existe, sou cearense e brasileiro!

Sim, esses estados consumiram um bom dinheiro da Federação, afinal de contas o DNOCS, o Banco do Nordeste e a SUDENE (em stand by), órgãos de combate à seca, durante muitas dezenas de anos, serviram apenas para enriquecer a classe política e os mais favorecidos.

Ora, o brasileiro não sabe quanto tempo fica sem chover em Mombaça, no Ceará; que os rios do Piauí são subterrâneos e que parte do interior da Bahia é tão seco quanto o Saara. Por isso as pessoas de alguns desses estados, que não constituem uma unidade, precisaram no passado emigrar para outros lugares do país onde tivesse água. E, se agora votaram na continuidade do governo, é porque sua vida melhorou, com os programas de distribuição de renda e o crescimento da atividade econômica.

A brincadeira “afogue um corintiano, afogue um flamenguista” não passa de gozação, do mesmo jeito que “afogue um nordestino”. Crime de Racismo é impedir alguém de fazer alguma coisa, e “nordestinos” são impedidos, sim. Agora, quem vai assumir isso?

Os londrinos zombavam do “interiorano” Shakespeare, chamando-o de “sacode cenas”. Anos depois eles o chamavam de imortal. Os paulistas só detestam “nordestinos” até a hora que vão passar as férias nas praias cearenses ou quando convivem conosco. Aí fica a certeza de que tudo não passa de preconceito estúpido. Que existe e é fortíssimo! Mas, racismo não!

Escrito por Theófilo Silva, autor do livro “A paixão Segundo Shakespeare”


Luiz Vasconcelos

O redator do blog tem formação acadêmica pela Universidade Estadual do Ceará na área de Pedagogia, no entanto, tem grande predileção pelo jornalismo.

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