Antônio Alves Batista, um iguatuense que engraxa sapatos há 53 anos

Antônio Alves Batista, 70, começou a trabalhar como engraxate em 1963 - Foto: José Guedes Costa/A Praça
Será que você passaria 53 anos de sua vida engraxando sapatos? Ele passou. Quem transita diariamente pelo Abrigo Metálico de Iguatu quase não percebe a presença dele, mas nosso personagem está lá há 53 anos. “Seu Antônio” é o engraxate que está há mais tempo em atividade, pelo menos é o que se tem notícia.

Ele é um iguatuense que não se acomodou com qualquer dificuldade. Nasceu no distrito de Barro Alto, mas ainda criança veio morar em Iguatu, onde está até hoje. A maior parte de sua vida ele ficou no endereço que adotou para trabalhar, o ‘Abrigo Metálico’. Não faz a menor ideia de quantos sapatos engraxou ao longo da profissão, não deu para ficar rico, mas alimenta uma certeza: engraxar sapatos é sua paixão, seu melhor passatempo, sua vida. Por tantos anos de serviços prestados ao município e aos cidadãos, seu Antônio nunca teve o reconhecimento público. Nunca recebeu nenhuma homenagem, medalha, condecoração, título de cidadão, nada, absolutamente nada!

Antônio Alves Batista, 70, começou a trabalhar como engraxate em 1963. Naquela época o ‘abrigo’ era uma pequena praça com três bancos de cada lado. O projeto do ‘Abrigo’ ocorreu em 1963, no governo de Juarez Gomes, depois foi ampliado na gestão de outro prefeito, Elmo Moreno, para a estrutura atual. É um dos pontos de maior fluxo de pessoas. 

A vida de toda a cidade passa por ali, um coquetel de coisas: graxa, loteria, jogo do bicho, café. Essa combinação não pode faltar por lá. O local tem características próprias, acústica própria. É um burburinho sem explicação. Vendedores de bilhetes, engraxates, moto-taxistas, cantadores de viola, gente tomando café, conversando, vendendo, comprando. Em épocas de campanha política a temperatura sobe e vai ao vermelho. Discussões acaloradas são comuns no dia-a-dia. E tudo acontece sob o olhar e ouvidos atentos de um engraxate de 70 anos.

O repórter pergunta quantas histórias ele já ouviu ali. “Muitas, histórias de todo jeito, não sei nem contar quantas”, respondeu.

Técnica, habilidade, paciência

Engraxar sapatos, ao contrário do que muita gente imagina, não é tarefa fácil. É preciso ter técnica, habilidade e paciência. Hoje, para engraxar um par de sapatos masculinos, seu Antônio recebe pelo trabalho R$ 5,00. Quando começou há mais de meio século o valor era de 2 Contos de Réis, depois a moeda para passou para ‘Cruzeiro’, ‘Cruzado Novo’, URV e Real.

Ao longo dos anos, com os sucessivos governos e as mudanças da moeda vigente, o dinheiro já mudou de cara várias vezes, o Abrigo Metálico foi ampliado, mudou de lugar, aumentou o espaço, mas alguma coisa não mudou: o jeito do engraxate de ser. Ele usa a mesma cadeira ligeiramente acolchoada posicionada ao pé de uma das colunas do Abrigo, onde acomoda os clientes para a sessão de transformação dos ‘pisantes’. É o endereço certo de muita gente que vai até lá para renovar os acessórios que completam os pés.

Engraxa e filosofa

Enquanto engraxa, seu Antônio filosofa. Fala de mundo, política, história. Apesar de sua simplicidade é um homem atualizado com os assuntos e os acontecimentos. Enquanto ele engraxa os sapatos e o cliente toma um café, vêm à tona os fatos do passado. Seu Antônio vai buscar na memória acontecimentos da política de Iguatu que ele guarda bem preservados. Ele se revela um ‘contador de histórias’. Lembra com precisão fatos ocorridos em gestões dos ex-prefeitos Dr. Gouvêa, Juarez Gomes, Erasmo Alencar, Adil Mendonça. Por falar em personalidades, quem visitou o Abrigo na campanha política do ano passado foi o então governador Cid Gomes. Sentou na cadeira do senhor Antônio Batista, pediu para limpar os sapatos, depois entregou ao engraxate um envelope com R$ 5,00 dentro e foi embora.

Uma vida inteira dedicada a uma causa, uma profissão, o ofício de engraxar. Mas ele não reclama, declara-se um homem realizado. “Me sinto bem com esse trabalho aqui, sei que quando a gente engraxa o sapato, até o caminhado da pessoa fica mais aprumado, mais bonito”.

Presença marcante

Seu Antônio Batista está aposentado. Recebe um salário mínimo por mês, fruto da contribuição de mais de 35 anos ao governo, mas afirma catedraticamente que o dinheiro do trabalho de engraxate é o importante complemento no orçamento da casa que ele divide com uma irmã. Foi casado, teve seis filhos com a companheira, mas ela foi embora há mais de vinte anos. De lá para cá o velho engraxate não quis mais saber de compromisso sério com nenhuma mulher.

Como todo mortal, um ser humano com seus traumas, decepções, tristezas, frustrações, desilusões. Mas ao mesmo tempo um homem simples, sincero, honesto, verdadeiro. Os cabelos grisalhos denunciam a idade, a pele enrugada dos braços, mãos e rosto gastos pelo tempo, também são sinais de uma vida sofrida, mas ao mesmo tempo feliz. 

Apesar dos 70 anos, seu Antônio consegue preservar a originalidade dos olhos azuis, um sutil charme do homem setentão. A presença dele, com sua cadeira e sua caixa de engraxar são tão marcantes naquele ‘abrigo metálico’ que ambos se misturam, se fundem, se completam. O fato é que, a esta altura, decorridas tantas passagens no calendário, e no implacável relógio, ninguém arriscaria a dizer que um conseguirá sobreviver sem o outro.


Fonte: Jornal A Praça

Repórter: José Guedes Costa



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